Ser gay não é uma escolha e é tão natural quanto ser heterossexual

Yannik D’Elboux (UOL)

Até a década de 1970, a homossexualidade era considerada doença. Foi somente em 1973 que o homossexualismo, palavra antigamente usada para designar a condição, deixou de figurar na lista de transtornos mentais da Associação Americana de Psiquiatria. A OMS (Organização Mundial de Saúde) retirou a homossexualidade da classificação internacional de doenças somente em 1990.

Apesar dos avanços no sentido de considerá-la apenas como parte da variabilidade humana, ainda existe preconceito e pessoas que acreditam que ser gay ou não é uma questão de escolha. A ciência busca respostas no DNA.

Segundo o psiquiatra e pesquisador norte-americano Alan Sanders, da Universidade de Chicago e do Instituto de Pesquisa Northshore University HealthSystem, em Illinois, nos Estados Unidos, a contribuição genética representa de 30% a 40% da influência na orientação sexual masculina. Resultados similares foram encontrados em relação à sexualidade feminina, porém do ponto de vista genético, nesse caso, homens e mulheres são investigados separadamente.

Sanders explica que essa conclusão veio de estudos anteriores com gêmeos idênticos, em que a probabilidade da orientação sexual ser a mesma é maior. Em sua pesquisa com 409 pares de irmãos homossexuais, a mais ampla realizada até agora, publicada este ano, o psiquiatra e geneticista buscou mapear as regiões no DNA que possam estar ligadas à sexualidade. “Encontramos duas regiões de cromossomos com genes que influenciam a orientação sexual masculina”, revela.

Para o pesquisador, mesmo com esses resultados, ainda há muito a se descobrir acerca do desenvolvimento da sexualidade humana. “A informação que temos até agora aponta para influências biológicas, que não é uma escolha do indivíduo, não há como escolher vou ser hétero ou gay”, diz Alan Sanders.

O psicólogo Marcos Roberto Vieira Garcia, professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), campus Sorocaba, e membro da Comissão de Direitos Humanos do CFP (Conselho Federal de Psicologia), também defende que a orientação sexual não é passível de escolha. Garcia afirma que há várias teorias a respeito do desenvolvimento da sexualidade, entretanto o que mais se admite atualmente é a existência de múltiplos fatores, de biológicos a ambientais.

Porém, na opinião do psicólogo, um elemento muito mais simples demonstra que ser gay não configura uma opção. “Ser homossexual na nossa sociedade é um caminho mais difícil. Há ainda discriminação e preconceito. Se fosse uma escolha, as pessoas não escolheriam ser homossexual”, constata.

Desejo e conversão
A homossexualidade, tanto masculina quanto feminina, manifesta-se a partir do desejo, que pode surgir em diferentes fases da vida. Para o psicólogo Ageu Heringer Lisboa, integrante do CPPC (Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos), esse aspecto não é suficiente para determinar a vida sexual de alguém. “O desejo é uma variável, mas há outras, como a razão, a ética e os valores”, diz.

Lisboa acredita que a identidade sexual resulta de uma construção que conjuga uma série de fatores: educacionais, culturais, emocionais, familiares, eventuais experiências precoces, entre outros, inclusive de natureza inconsciente. Contudo, o psicólogo do CPPC não enxerga essa construção como definitiva. “Acredito que as pessoas, por questões filosóficas, valores e crenças particulares podem se definir na vida de muitos modos”, fala.

Marcos Garcia também não vê a orientação sexual como permanente e imutável, entretanto observa que não depende da vontade da pessoa. “Pode mudar no decorrer da vida, mas não é algo sujeito a uma escolha consciente”, analisa o professor da UFSCar.

O professor de inglês, filósofo e téologo Sergio Viula, 45 anos, do Rio de Janeiro (RJ), bem que tentou de todas as formas possíveis controlar seu desejo homossexual, percebido por ele na infância. Viula converteu-se a uma religião evangélica, casou-se com uma mulher, teve dois filhos e atuou até como pastor por nove anos, quando fundou um movimento que pregava a “cura gay”.

“Eu quis mudar. (…) E eu passei a acreditar que podia casar e ser fiel à minha mulher”, conta o professor em entrevista ao UOL Comportamento sobre sua história. Depois de 14 anos de casamento, Viula resolveu se separar e admitir sua verdadeira orientação sexual para si mesmo e para a família.

“Isso é algo que não muda. Ou você ‘sai do armário’ [assumir a homossexualidade] e paga o preço de enfrentar todo mundo e viver mais feliz ou fica no armário e também paga o preço, que é mais alto, de ficar fingindo, se escondendo o tempo todo e vivendo duplamente”, diz.

Cura?
Por não fazer parte do desejo dominante, em que prevalece a atração pelo sexo oposto, houve ao longo da história no mundo todo tentativas de converter os homossexuais à heterossexualidade, por meio de terapias que iam de orientação psicológica a choques elétricos. “Os estudos mostram que essas terapias nunca tiveram muito sucesso. Parece que a orientação sexual é bastante resistente a mudanças”, observa Alan Sanders.

Sergio Viula percebeu na prática com a experiência no movimento pela “cura gay” que a conversão não funcionava. “Ninguém mudava, foram anos de trabalho e ninguém mudando”, lembra.

No Brasil, uma resolução de 1999 do CFP (Conselho Federal de Psicologia) determina que os psicólogos não podem colaborar com eventos e serviços que “proponham tratamento e cura das homossexualidades”. Além disso, o CFP preconiza que os psicólogos contribuam para o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.

Já que a homossexualidade não é considerada doença nem distúrbio ou perversão, não cabe tratamento, mas o acompanhamento psicológico serve para lidar com questões que causem sofrimento, como a rejeição na família, a autoaceitação e o estigma ainda presente na sociedade. “A terapia não é para curar a homossexualidade, mas para ajudar a pessoa a lidar melhor com isso”, esclarece Marcos Garcia.