Relatora da Lei Maria da Penha propõe primeira alteração: incluir mulheres trans

A proposta de ampliar a Lei Maria da Penha para vigorar também sobre as mulheres transexuais já estava de certa forma rondando o pensamento da deputada federal Jandira Feghali quando ganhou um empurrão inusitado dentro de sua própria casa.

No ano passado, a filha mais velha da deputada, a estudante de psicologia Helena, de 22 anos, questionou a mãe sobre o tipo de proteção que o Estado oferecia para o público trans, uma discussão que veio à tona na universidade.

A deputada, que é mãe também de um garoto de 12 anos, viu que era chegada a hora de fazer a primeira ateração em nove anos de aplicação da Lei Maria da Penha, que ela relatou em 2006. E no fim do ano a líder do PCdoB na Câmara dos Deputados apresentou a proposta de modificar a lei para atender os cidadãos trans. “Se a pessoa vive como mulher e se reconhece como tal, é dever do poder público lhe dar as mesmas ferramentas de prevenção à violência e aplicação da pena da Maria da Penha aos agressores”, aponta Feghali. “Há uma enorme demanda social abafada, restringida à interpretação dos juízes para aplicação da Lei Maria da Penha ao público trans. O projeto tem o objetivo de atender essa parcela significativa da sociedade com a garantia de direitos pelo Estado, sem passar por constrangimentos sociais ou vulnerabilidade jurídica.”

A parlamentar pondera que desde a criação da Lei Maria da Penha, a realidade foi se impondo de forma diferente. Os cidadãos trans ganharam mais visibilidade, vários projetos na Câmara incluem essa população, mas os números da violência contra eles segue sendo preocupante. No segmento LGBT, os transexuais são, proporcionalmente, os mais afetados pelos crimes.

Estudo do antropólogo Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia, mostra que, enquanto gays representam 10% da população, ou cerca de 20 milhões de pessoas no Brasil, cidadãos trans não chegam a 1 milhão e têm número de assassinatos quase igual ao de gays. Ano passado, 84 travestis foram mortas, a maior parte por violência de seus parceiros. A legislação, atualmente, só é aplicada para este segmento de acordo com a interpretação do juiz, o que na maioria dos casos não ocorre devido ao conservadorismo.

À luz do caso Verônica, a travesti que foi presa em São Paulo por agredir a vizinha e teria sido espancada na prisão, a parlamentar destaca que o projeto tem chances de ser aprovado. “Apesar de termos uma maioria conservadora na atual Legislatura, temos grandes chances de levar o assunto ao Senado Federal. Além disso, o debate público no Parlamento sobre proteção aos cidadãos trans aumenta a visibilidade sobre essa demanda e amplia a conscientização da sociedade”, diz Jandira.

O projeto foi apresentado no final do ano passado e desarquivado em março. Está tramitando em três instâncias: Na Comissão dos Direitos Humanos, na Seguridade Social e Família e na CCJ, Comissão de Constituição e Justiça, a última das três. Se aprovado nas três, segue direto para o Senado Federal.

Uma vitória recente na pauta de gênero no Congresso foi a aprovação da questão do feminicídio, onde o assassinato de mulheres passou a ser considerado crime hediondo. “Acreditamos que a discussão sobre a proteção de cidadãos trans pelo Estado na questão da Lei Maria da Penha também repassa no combate à homofobia e ao reconhecimento da identidade trans a estes cidadãos”, declara Feghali.